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Por que os líderes competem entre si?, por Alberto Roitman

Lembro de uma época distante em que trabalhava no mercado financeiro. Eu era líder de uma unidade de negócio e, em um determinado ano, havia atingido todos os indicadores possíveis. Todos os percentuais sob minha gestão haviam batido recorde. Lembro da ansiedade que tomou conta de mim, imaginando o bônus que eu ganharia e já começava a fazer meus planos. Você já deve imaginar o balde de água fria que recebi quando soube que minha recompensa não seria dada. A justificativa? Apesar de alcançar todos os indicadores, eu era um líder que não trabalhava em equipe, ou seja, competia com meus pares. O aprendizado da importância da colaboração havia me custado caro 

Tempos depois, ao entrar no mundo da consultoria, percebi que há uma tendência quase natural de líderes competirem com seus pares. Em muitos casos, a situação é tão comum que suas equipes passam a adquirir um comportamento tão competitivo, espelhado por seus chefes, que rapidamente se cria um clima péssimo entre os grupos. E não raro é ver que muitos líderes até estimulam suas equipes a competirem com outras dentro da mesma empresa. E isso acaba custando muito caro para toda a organização e até para o cliente. 

Uma pesquisa da Universidade de Harvard entrevistou diversos líderes perguntando sobre os motivos da competição interna com seus pares. O objetivo era tentar descobrir os motivos da ausência da colaboração. Os resultados parecem refletir um reforço antropológico que explica os porquês de preferirmos viver perto das pessoas que gostamos e nos afastar das que temos medo de sofrermos traições ou prejuízos. Em números: 

  • 67% dos entrevistados responderam que preferem trabalhar com quem confiam e não se veem como competitivos, apenas pessoas que preferem estar perto de outras que são parecidas e têm a mesma mentalidade; 
  • 32% dos entrevistados assumem ter dificuldades sérias em trabalhar em equipe, reconhecem que precisam de ajuda e assumem sua sinceridade de não quererem abrir mão do controle e até se sentirem bem competindo.

Depois de minha experiência pessoal e de ter tomado contato com esta pesquisa, sempre pergunto para os clientes da Escola do Caos se suas empresas têm líderes que competem entre si. A resposta é quase sempre positiva.  

Em uma empreitada pessoal, me arrisco a dizer que um dos grandes motivos disto acontecer remonta à época do Ensino Fundamental. Quando éramos avaliados pelos nossos professores, éramos impedidos de colaborar. Na prova, se passássemos cola, podíamos até ser reprovados. Todo processo importante de avaliação era individual. Isso se repetiu no Ensino Médio, na faculdade. Ao longo de 20 anos, aprendemos a ser avaliados individualmente, mas quando chegamos em uma empresa, nos pedem para mudar radicalmente o mindset. 

Deixar de competir para colaborar. Isso não acontece da noite para dia. Mas é necessário. 

O tema da competição precisa ser discutido. Vejo que ainda algumas empresas estimulam este comportamento com artefatos de cultura, como a divulgação de um ranking de vendas, campanhas de desempenho e até o famoso “funcionário do mês”. Em todos esses casos, estamos estimulando a competição. Mesmo os que não aparecem no topo do podium, sabem que poderiam estar ali. A semente da competição está lançada. Mas quanto esse formato de coexistência no mercado está ultrapassado? Seria possível encontrar novos mecanismos de reconhecimento coletivo ao invés dos individuais? Sua empresa estaria pronta para promover ou dar aumentos coletivamente? Para dar feedback coletivamente? Ou até mesmo para demitir uma equipe inteira que não bate os objetivos?  

Adotar a mentalidade de colaboração (e abolição da competição), principalmente dos líderes, não é fácil. Demanda o que conhecemos como walk the talk. Somente falar já não adianta. É preciso mostrar que a empresa valoriza as conquistas coletivas em detrimento das individuais. Será que estamos prontos para isso? 

Artigo de Alberto Roitman para a 8ª edição da Revista Caótica. Clique aqui e acesse a edição completa. 

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