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Líderes e sua tumultuada relação com o tempo, por Alberto Roitman

Sempre que pergunto a um líder qual é o seu maior ponto fraco e ouço que é a gestão do tempo, tenho o famoso “siricutico”. Aquela sensação de perguntar uma coisa e ouvir outra. Até porque, quem diz estar assoberbado de coisas, no fundo, diz em outras palavras que é alguém importante, cheio de reuniões, e-mails para responder, pessoas para gerenciar. É a famosa transformação do ponto fraco em ponto forte. Então, o coitado do tempo acaba sendo culpado e o líder passa a ser uma vítima por ser tão competente ao ponto de demandarem dele tantas atividades. 

Líderes têm uma equivocada relação com o tempo. Em muitos casos por não saber dizer não. Vivemos em um país latino, onde a forma é muito mais importante que o conteúdo. “Se eu tiver que falar não para uma atividade, posso magoar alguém, então, vale a pena fazer logo e tirar da frente”. Ouvi esses dias de um amigo. E, assim, vamos enchendo nossas agendas e ajudando ao Greg McKeown a vender livros sobre a teoria do essencialismo. Mas a relação dos líderes com o tempo é ainda pior, pelo fato de suas agendas abarrotadas acabarem por interferir na vida de seus pares e colaboradores.   

Esses dias, li uma entrevista de uma CEO de uma grande empresa dizendo que acordava às duas da manhã para responder e-mails. Senti pena. Não dela, mas dos funcionários dela. Sabemos que os colaboradores são reflexos de seus líderes. E aposto que as pessoas que se reportam a ela, e até os que estão abaixo delas, acabam entendendo que este deve ser um comportamento replicado, ao mesmo estilo da brincadeira “O mestre mandou”. E, assim, vamos criando uma cadeia de funcionários que passam a responder e-mails às duas da manhã ou mesmo dos que querem ter alta performance e começam uma hora antes. Líderes têm uma confusa relação com o tempo.

Esses dias estava conversando com um amigo querido, que me confessou trabalhar muito mais do que o aceitável. Ele justificava o tempo de trabalho dizendo que estava se divertindo. “Adoro trabalhar!”, disse ele com aquele ar Faria Limer. Não demorou muito para que ele e eu concluíssemos que, por trás de tanto trabalho, havia uma frustração com sua vida pessoal. Seu casamento estava péssimo. Então, ele projetava no trabalho toda a energia que dispendia no processo de separação com a esposa. Líderes têm uma beligerante relação com o tempo.  

Passei a perceber que muitas pessoas que trabalham excessivamente têm algum tipo de descompensação social, familiar, emocional ou mesmo sexual. E algo em comum a todos eles é não aceitar, de jeito algum, que estão projetando no trabalho a supressão de suas lacunas de vida.  

Ontem estava com um cliente que me reclamava que seu chefe marcava reuniões às 19h, sendo que o trabalho habitual terminava às 18h. A equipe dava um jeito de desaparecer do escritório. Deixavam o computador aberto, mesa bagunçada, apenas para dar a sensação ao chefe que ainda estavam no trabalho, mas já estavam há tempos com suas famílias ou fazendo alguma outra atividade na vida. 

O chefe ficava no escritório até às 21h. Perguntei ao cliente por que ele achava que seu chefe marcava reuniões àquela hora. Ele respondeu: “Porque é um infeliz. Não tem família. Não tem amigos. E nem deve transar”. Rimos de nervoso. Sabíamos que ele estava certo. Líderes têm uma mentirosa relação com o tempo.  

Escuto todos os dias que as empresas precisam dobrar de tamanho e gerar mais lucro, mas também querem que seus funcionários sejam felizes. Mas creio que essa conta não feche. Ainda vejo muitos líderes comerciais cobrarem dezenas de visitas por dia ou centenas de telefonemas. Mas vivemos um mundo onde trabalhar bem deveria ser mais valorizado do que trabalhar muito. Estamos longe do equilíbrio se não pararmos para discutir como deve ser a nossa relação com o tempo. E isso deve começar com a alta liderança. São Pedro, quando chegarmos à porta do céu, não vai nos deixar entrar pelos excelentes KPIs que tivemos aqui. Mas, sim, pela forma como lidamos com o tempo. Muito menos tumultuosa. Muito mais equilibrada. 

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Artigo de Alberto Roitman para a 10ª edição da Revista Caótica. Clique aqui e acesse a publicação completa. 

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