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Chief happiness officer: a profissionalização da felicidade

Em um mundo corporativo em constante evolução, o papel das empresas está se expandindo para além dos números e dos lucros. Cada vez mais, as organizações confirmam a importância de garantir a felicidade de seus colaboradores como um fator crítico para o sucesso. É nesse contexto que a função de chief happiness officer – ou gestor executivo de felicidade – vem ganhando espaço no mercado.    

O interesse pelo cargo se ampliou no pós-pandemia, quando o bem-estar do colaborador passou a estar entre as principais pautas nas organizações, principalmente após a explosão de casos da Síndrome de Burnout e o aumento dos índices de absenteísmo, presenteísmo e turnover. Tudo isso impacta na redução de produtividade e, consequentemente, de metas e resultados.  

“Mas ele não precisa necessariamente estar no C-Level. O que se precisa é ter a perspectiva do bem-estar e da felicidade de quem trabalha como um elemento estratégico para toda a corporação, para o indivíduo, sua família e a sociedade”, explica Carla Furtado*, diretora do Instituto Feliciência, fundado em 2015.  

Não à toa, cursos de chief happiness officer têm tido grande procura. Eles funcionam como uma jornada de aprendizado que combina teoria, prática e dados científicos para capacitar líderes ou colaboradores a levar felicidade para suas empresas ou formar interessados a trabalhar com felicidade corporativa.  

“Hoje as pessoas já têm uma mentalidade de que o trabalho pode ser fonte de realização, de boas relações e algo que traz significado na vida. O que precisamos é ajudar empresas e colaboradores a construírem novos caminhos. Então, nosso papel é ajudá-las a fazer essas mudanças”, analisa Renata Rivetti, diretora da Reconnect – Happiness at Work.  

Outro ponto importante: a felicidade nas organizações deve ser vista dentro da perspectiva do ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), três letras que se tornaram uma preocupação central das companhias atualmente e também estão incluídas na formação oferecida no Instituto Feliciência, diz Carla.    

“O que é sustentabilidade? É não esgotar o capital. Então, a sustentabilidade ambiental é não esgotar o capital ambiental para ganhar dinheiro, para chegar no resultado que se precisa. E a sustentabilidade humana é não esgotar as pessoas”, define Carla, que também é pesquisadora científica em psicologia social e psicologia do trabalho.  

Autora do livro Feliciência: Trabalho e Felicidade na Era da Complexidade, Carla criou o Instituto há oito anos e uma explosão de busca pela formação. “Acho que quando as grandes empresas ou grandes marcas saem na frente, elas puxam o mercado inteiro. Então, acaba se tornando também uma tendência”, afirma Carla.    

Então, o que faz um chief happiness officer?    

Mas não adianta imaginar que um CHO faz milagres. Também é importante desmistificar o que é felicidade corporativa, avisa Renata, que também é pós-graduada em psicologia positiva e possui especialização em estudos da felicidade: “Ela vem de dois principais aspectos: o primeiro tem a ver com o trabalho da pessoa. Ela precisa se sentir mais realizada e desafiada; o segundo aspecto tem a ver com as relações de confiança, em se sentir mais reconhecida, ter um senso de comunidade e de conexão, e estar em um ambiente com segurança psicológica”.    

Os gestores de felicidade desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de estratégias que promovam o bem-estar dos funcionários. Suas responsabilidades incluem a criação de um ambiente de trabalho positivo, o desenvolvimento de programas de saúde mental, a promoção de políticas de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e a implementação de iniciativas de reconhecimento e recompensa. Mas o plano não é exclusivo da área de RH e nem de uma pessoa, mas de toda a organização.  

“O CHO é o responsável em ajudar a mensurar o tema da felicidade corporativa. Então, o papel dele é fazer um diagnóstico, entender o cenário, onde estão os desafios, o que está acontecendo, como as pessoas se sentem e, principalmente, começar a trabalhar na construção de um plano de ação para que os líderes possam praticar”, explica a diretora da Reconnect | Happiness at Work.  

E por que contratar um diretor de felicidade? As especialistas afirmam que, nos dias de hoje, ter colaboradores engajados, atrair talentos e melhorar resultados passa necessariamente por pensar em bem-estar e felicidade na organização. São pilares que pesam tanto ou até mais que salário e benefícios em muitos casos.  

“Entrei no mercado de trabalho em 1990, mas não se falava sobre felicidade. Ninguém ia para o trabalho para ser feliz. E o que a gente tem hoje é decorrente da psicologia positiva organizacional, que começou a ser estudada no Brasil mais fortemente em 2000. Percebeu-se que as pessoas que têm um nível de bem-estar mais elevado transbordam esse bem-estar para o seu engajamento no trabalho, para a sua performance, para a sua criatividade”, diz a diretora do Instituto Feliciência.    

Renata reforça a informação em números: “Um relatório da Gallup mostra que 23% das pessoas estão engajadas no trabalho. Isso custa quase nove trilhões de dólares para a economia global. Vemos que os quiet quitters, aqueles que fazem o mínimo possível, são quase 60% da força de trabalho. As empresas começaram a ter um custo alto ao não priorizar as pessoas. Então, é momento de repensar valores e os impactos das empresas na sociedade”, finaliza.  

Chilli Beans aposta na felicidade  

Organizações inovadoras estão liderando o caminho, demonstrando que investir na felicidade dos colaboradores não é apenas uma tendência, mas uma estratégia sólida para o sucesso empresarial. Na Chilli Beans, o novo cargo surgiu em maio deste ano e foi criado “por amor” (como brinca a chief happiness officer da empresa, Denize Savi), a partir dos resultados do seu trabalho e toda a experiência na área, e com foco na sustentabilidade do ambiente corporativo:    

“Normalmente, as empresas abrem espaço para essa pauta pela dor. No caso da Chilli Beans foi pelo amor (risos). Sou casada com o CEO Caíto Maia e, por ele acompanhar minha trajetória como especialista em ciência da felicidade e entender sobre os impactos positivos de um trabalho focado no bem-estar e saúde mental dos colaboradores, abriu as portas para que eu pudesse desenvolver um trabalho de incremento de felicidade lá”. 

Denize afirma que sem que a alta gestão compre a ideia, é impossível implementar a proposta, e o desafio é fazer a organização compreender o que é a função de um CHO por conta do “peso filosófico que a palavra felicidade traz consigo”. Segundo a executiva, um passo fundamental é apresentar indicadores.   

Na 23ª edição do Índice de Confiança Robert Half, divulgado em março de 2023 no Dia Internacional da Felicidade, 89% das companhias já reconhecem que bons resultados estão diretamente ligados à motivação e à felicidade dos colaboradores. Foram ouvidos 1.161 profissionais no Brasil, divididos em três categorias: recrutadores, qualificados empregados e qualificados desempregados (com 25 anos ou mais e formação superior).  

Na contramão, quem está infeliz, de acordo com o estudo, assume que o sentimento gera consequências no dia a dia. Na percepção deles, os principais impactos são: falta de motivação (100%), implicações psicológicas (87%), forte abertura a novas oportunidades de trabalho (81%), baixa proatividade (72%) e postura pouco empática com colegas de equipe (58%).  

Mas felicidade no trabalho não é criar salas coloridas, com mesa de pebolim e cerveja depois das 18 horas, avisa a chief happiness officer da Chilli Beans: “Estamos falando de algo muito mais profundo, que é promover um ambiente inclusivo, humano, colaborativo, com rede de apoio, aberto à inovação, entre muitas outras coisas”.    

Vale lembrar que olhar para a felicidade traz resultados positivos para todos. Afinal, empresa é feita de gente. “Por conta de tudo isso, as empresas estão abrindo os olhos para a pauta da felicidade no trabalho, entendendo que antes de tudo é preciso cuidar de quem trabalha, nem que para isso seja necessária toda uma mudança de cultura. Os modelos hierárquicos verticalizados e autoritários, chefes psicopatas e inflexibilidade são coisas do passado e o mercado já percebeu isso”, complementa Denize.  

O caminho vem sendo aberto e a tendência é que a nova função ganhe cada vez mais espaço no mercado. “Não é uma mudança simples, porque mexe com uma questão estrutural, tem que quebrar modelos antigos de gestão, pensamentos rígidos, mas, aos poucos, estamos vendo uma transformação bem positiva acontecendo no mundo corporativo”, finaliza a chief happiness officer da Chilli Beans.  

Setor público também investe na área  

A felicidade corporativa não é apenas uma preocupação do setor privado. No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Mato Grosso, o programa Florescer está em foco desde março de 2019. Ele faz parte da política de gestão de pessoas, que visa promover a qualidade de vida em todas as suas dimensões: social, psicológica e física, e tem como objetivo incentivar hábitos saudáveis e melhorar as relações no ambiente de trabalho,  

Formada em psicologia, a coordenadora de saúde, felicidade e qualidade de vida, Christine Gili, explica que havia uma demanda do Tribunal para se trabalhar saúde mental: “Porque, no mundo do trabalho, na maioria dos casos, os afastamentos por licenças motivadas por transtornos mentais e comportamentais ficam sempre ali em primeiro e segundo lugar”.    

No TRT, até aquele momento, havia apenas ações que não eram trabalhadas de forma contínua. “Daí a gente foi pesquisar sobre como investir num programa para trabalhar a saúde mental. Sempre falo que me inquietava muito, quando o tema é saúde, falar muito mais de doença. E foi com a psicologia positiva, com essa proposta de trabalhar a felicidade, que a gente enxergou uma oportunidade de inverter a lógica”, diz Christine.  

A coordenadora do programa também destaca a importância de se ter o apoio da alta liderança (no caso do TRT, de juízes, desembargadores e presidência do órgão), para a realização das ações: “Usamos indicadores que nos sinalizam como o programa contribui para o bem-estar e para a felicidade das pessoas. Também tem as demandas da organização, aquilo que a gente identifica como pontos críticos e que ainda precisam ser trabalhados e que também é o anseio e a expectativa das pessoas”.  

A partir daí, é criado um plano de trabalho para o ano seguinte. O programa utiliza a metodologia do Sistema FIB – Feliciência, desenvolvida com base no conceito butanês de Felicidade Interna Bruta (FIB). O método é fundamentado na psicologia positiva e possui pilares como boa governança, preservação e promoção da cultura, desenvolvimento socioeconômico sustentável e conservação do meio ambiente.    

Com o trabalho realizado, o TRT se tornou o primeiro órgão do Poder Judiciário a ter felicidade em sua estrutura organizacional. E, segundo ela, um dos grandes ganhos do programa foi trabalhar a multidisciplinaridade do bem-estar e da felicidade entre os servidores.    

“Porque isso sempre ficava na conta da unidade de saúde e isso é responsabilidade de todos. Não só de unidades da área de saúde, mas de cada um. Fazer com que as pessoas saiam da sua caixinha, das atribuições da unidade, para pensar conjuntamente foi realmente um grande ganho”, avalia Christine. 

* Carla Furtado concedeu esta entrevista para a Revista Caótica no dia 4 de setembro de 2023 e faleceu alguns dias depois. A assessoria da psicóloga e pesquisadora nos autorizou a publicar a entrevista. Fica aqui nossa homenagem a essa mulher que sempre será referência quando o assunto for felicidade nas organizações e o nosso agradecimento a esta inesquecível colaboração.  

Matéria de Rosana Rife para a 8ª edição da Revista Caótica. Clique aqui e acesse a publicação completa. 

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