Que o nosso mundo corporativo foi completamente transformado no pós-covid, não é novidade para ninguém. Novos modelos de trabalho, ampliação do uso de ferramentas de colaboração, novos modelos de gestão e novas formas de avaliar resultados são apenas algumas das evoluções que percebemos nos últimos anos.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que progredíamos no jeito de trabalhar, progredíamos também nas taxas de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional) mundo afora, certamente uma das consequências negativas trazidas por essa evolução e provocada, basicamente, por relações entre líderes e liderados extremamente frágeis e cheias de cobranças e controle, ausência de confiança, sobrecarga de entregas e assim por diante.
Tudo isso fez com que colaboradores sentissem a necessidade de trabalhar muito mais para que, mesmo à distância, pudessem mostrar seu valor. Além disso, o próprio ambiente incerto em que vivemos já deixa todo mundo mais ansioso, o que também não facilita as coisas. Claro que estou, propositalmente, tratando o tema de maneira superficial, uma vez que o estudo das causas de ampliação do Burnout nos últimos anos continua a ser analisado até hoje, seja nos ambientes clínicos, seja pelos estudiosos da gestão.
Inclusive, a Gallup recentemente descobriu que as cinco principais razões que têm provocado o Burnout são:
- Tratamento injusto no trabalho
- Carga de trabalho não gerenciável
- Falta de clareza de papéis
- Falta de comunicação e apoio da liderança
- Pressão de tempo irracional.
Só para trazer outro dado recente sobre o tema, uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) concluiu que 1 em cada 5 brasileiros sofre desse mal, ou seja, as organizações realmente precisam ficar atentas.
Inclusive, em minha última ida para a ATD (maior conferência sobre desenvolvimento de pessoas do mundo), pude reparar que o tema propósito era a todo momento citado por especialistas e cientistas como um “antídoto” para os altos índices de Burnout. Inclusive, a cientista e PhD Britt Andreatta, que tive a oportunidade de assistir, chegou a mostrar dados comprovando que a Geração Z é a primeira a considerar o propósito e o significado como algo mais importante que o salário em suas relações profissionais. Britt também apresentou dados da McKinsey, que diziam que quando o propósito é algo realmente relevante e vivenciado no dia a dia de uma organização, esta organização chega a ser 30% mais inovadora e 40% mais efetiva em reter talentos.
O fato é que todo esse contexto praticamente obrigou muitas organizações a revisitarem suas culturas, na expectativa de que uma atuação profissional com mais vínculo a um propósito claro e mais pautada por valores nobres fosse solução para amenizar toda essa crise que ainda vivemos.
E, claro, a pergunta é: como fazer?
Daí que surge o termo RE-CULTURING, utilizado pela autora Melissa Daimler, chief learning officer da Udemy, na capa de seu livro.
1 – Cultura não definida
Inserimos na classificação aquelas organizações que não têm nenhum tipo de atuação para consolidação de uma cultura, permitindo que os comportamentos das pessoas se desenvolvam ao acaso, ou de acordo com aquilo que é importante para cada líder, o que ocasiona silos, prioridades desalinhadas e comportamentos disfuncionais.
2 – Cultura definida, sem atuação
Nesse estágio estão as organizações que definiram e adaptaram sua cultura ao contexto, mas falharam na gestão, uma vez que a mera divulgação das aspirações culturais não é suficiente para que a cultura surta efeitos positivos na ampliação da identidade e no comportamento das pessoas. Como consequência, observamos os mesmos comportamentos disfuncionais do item anterior.
3 – Cultura definida, com atuação
Nesse estágio estão as organizações que definiram e adaptaram sua cultura ao contexto e que priorizam ações para que a cultura seja percebida e vivenciada pelas pessoas. Nessas organizações, começamos a ver processos instituídos para que a cultura seja realidade, rituais criados para o fortalecimento, políticas de pessoas atreladas à cultura e assim por diante.
Nessas organizações, começa a ficar clara a gestão de consequências para ações atreladas à cultura e os comportamentos coerentes com ela começam a surgir.
Obviamente, dentro de cada um destes estágios, existem tantas outras subclassificações para que entendamos o nível de maturidade de uma organização em relação à sua cultura, mas meu objetivo aqui é chamar a sua atenção para o momento da empresa onde você está, de um jeito muito simples e efetivo. Então, pense por um segundo: qual o nível de maturidade de sua organização em relação à cultura? E o que você tem feito para que essa evolução aconteça de maneira mais rápida e eficiente?
Ainda é comum ouvirmos em muitas empresas que o tema é uma responsabilidade do RH. Se formos avaliar sob o ponto de vista de alguns processos, até pode ser. No entanto, para que a cultura de uma organização seja vitoriosa e frutífera, ela precisa ser responsabilidade de todos.
Claro que os líderes têm participação especial no processo de consolidação cultural, uma vez que são eles quem a reescrevem todos os dias a partir do que priorizam, do seu jeito de tomar decisões, da maneira que se relacionam com o time e da maneira que atuam para desenvolver as pessoas.
De qualquer forma, entendendo em qual estágio de evolução cultural sua organização está, ficará mais fácil entender que tipo de provocação você precisará fazer.
Em organizações com cultura não definida, seu esforço será para provocar conversas e discussões sobre o que é importante para essa organização, como: qual é o bem social que ela pretende fazer e do que não se pode abrir mão para que isso aconteça.
Já se sua organização tem cultura definida, mas não atua, a provocação precisa ser no sentido de entender quais processos e rituais precisam ser instituídos para que ela se torne realidade.
Por fim, se a cultura é definida e existe atuação, a provocação será sempre para entender o que está funcionando, o que não está funcionando e quais são os processos e rituais que podem melhorar para que ela continue a evoluir.
Jamais existirá uma organização com uma cultura fortemente instituída, sem que tenha uma gestão ativa e recorrente do processo de evolução. Afinal, cultura não é acaso… Faça o re-culturing de sua organização quantas vezes forem necessárias, adapte, mude, evolua, mas não se permita ter uma cultura que serve apenas para ilustrar sites e PPTs.
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Artigo de Anderson Bars para a 4ª edição da Revista Caótica. Clique aqui e acesse a publicação completa.